Enquanto fazia um relato sobre minha vida, pude perceber quais eram os meus sonhos e desejos reais. Entre eles, o sonho de ser médico desde os três anos de idade, que foi alimentado e incentivado por meus pais.
Um objetivo exclusivamente meu que, no entanto,estava alinhado aos desejos deles, talvez por sorte ou mero acaso.
De qualquer forma, este sonho não foi destruído pela mais pessimista de todas as palavras: “impossível”.
Quantos objetivos não foram destruídos por causa de certas crenças de pais e adultos que não souberam compreender o que tais desejos representavam para as crianças com as quais conviveram?
Acredito que o maior dano nem seja a não-realização imediata deles, porque é possível retomar e concretizar os sonhos de infância na idade adulta, com o auxílio da maturidade e da autogestão.
Talvez a pior conseqüência seja a criação de uma crença na impossibilidade, na incapacidade e no não merecimento, proveniente da repressão sistemática aos sonhos. Desta forma, passamos a nos negar o direito de sonhar, de desejar; passamos a acreditar que o “verdadeiro” sentido da vida está no que a sociedade considera como verdadeiro.
Somos levados a crer que somente aquilo que é concreto e mensurável tem valor, e assim negamos o abstrato e o subjetivo. Somos incentivados a seguir certas profissões com base apenas na remuneração financeira, e desenvolvemos habilidades técnicas e estratégicas que nos permitam sempre sobrepujar os outros, os “concorrentes”.
Vivemos a vida como se ela fosse uma luta pela sobrevivência, onde vence o mais forte e mais esperto, na ilusão de que é somente isso o que importa.
Nos tornamos seres racionais e lógicos, utilizamos a inteligência para conseguircada vez mais status e poder, acreditando que isto nos trará sucesso e felicidade.
Muitas vezes somos coagidos a abandonar nossos sonhos, nossos talentos que nos tornam únicos, nossos anseios, para realizar e concretizar os sonhos dos nossos pais. Mal percebem eles que, ao agirem assim com as crianças, estão na realidade repetindo o que seus ancestrais fizeram.
Pois eles, muitas vezes pelas condições precárias de vida, pela real necessidade de sobrevivência, pela escassez de alimentos, conforto e segurança, foram obrigados a abrir mão dos seus sonhos. Aprenderam a duras penas a deixar de sonhar, para a cada instante lutar pela própria vida.
Muitos dos pais não percebem que essas condições de vida, no geral, não existem mais. No entanto, em muitas famílias abastadas ainda persiste o hábito, talvez motivado por um medo inconsciente, de cortar as asas aos sonhos de criança, criando indivíduos frustrados e até mesmo infelizes, ainda que bem-sucedidos.
Cria-se indivíduos que vivem com a sensação de que algo lhes falta, e que muitas vezes não são nem capazes de imaginar do que se trata, e vivem se perguntando: “Porque me sinto vazio por dentro, se tenho tudo o que quero?”.
A perda da capacidade de sonhar leva à perda das esperanças;esta, por sua vez, leva à perda do sentido de vida, da razão de viver.
É verdade que só conseguiremos concretizar nossos anseios se tivermos, antes, conseguido alcançar a nossa auto-sustentação. Desta forma, a preocupação dos pais na educação dos filhos é legítima, no sentido de mostrara realidade e querer que as crianças se conscientizem a respeito desta. Mas isto pode ser feito sem destruir os sonhos das crianças; para isso, basta aceitar os desejos delas, o que não significa necessariamente concordar com eles. Você, pai ou mãe, pode achar que essesobjetivospoderãolevá-las a dor e sofrimento, e pode estar certo, considerando as suas experiências de vida. Mas o caminho mais seguro é aceitar tais metas, de forma a poder orientar seus filhos sobre a necessidade de auto-sustentação, o que podeser feito paralelamente ao incentivo de realização dos sonhos deles..
Srs. adultos, pais, irmãos sonhem e deixem as crianças sonharem!
Se não puder alimentar o sonho delas por considerá-lo impossível para você, contribua no mínimo aceitando-o e deixando-os sonhar. Deixe que ele descubra por si só se isto é possível, se estará capacitado e se realmente se sente merecedor dos resultados desses objetivos.
Elas só saberão se um sonho é viável ou nãodepois de tentarem por si mesmas. Só é possível obter resultados e analisá-los após uma tentativa real.
Se a inviabilidade for percebida por experiência própria, nossas crianças estarão conscientes de que pelo menos tentaram.
Se você, pai ou mãe, não possui neste instante recursos para auxiliar seus filhos na concretização de suas metas, deixe isto claro.Assim, eles poderão ao menos escolher entre manter seus objetivos vivos para o futuro oudesistir deles para encarar a necessidade concreta, seja de qual natureza for.
A destruição dos sonhos e desejos leva à descrença em si mesmo, porque destrói algo que é inato ao ser humano: a capacidade de imaginar e buscar situações melhores.
Muitas vezes, uma simples palavra de apoio demonstrando que os pais estarão sempre juntos com seus filhos na busca pelos objetivos destes é capaz de transformar vidas.Pois um sonho é algo que só tem sentido se puder ser realizado por seu detentor, e o mais importante para um pai ou uma mãe é saber orientar seus filhos a obterem sucesso nessa empreitada.
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